O vôlei hoje está em todo lugar. Ele pode ser jogado com 12 pessoas (6 de cada lado) ou até menos. Ele na verdade pode ser uma atividade solitária, sem rede e sem outras pessoas, basta uma bola e uma parede.
Mas aqui vamos analisar como o vôlei passou de um exercício criado para não forçar muito o corpo (principalmente dos mais velhos) para um fenômeno global que é uma das principais referências no quesito renovação esportiva.
História do Esporte
Criado em 1895 pelo americano William George Morgan e com o nome para lá de estranho de “mintonette”, seu principal objetivo era criar uma atividade física que iria diminuir o risco de lesões. Morgan era um professor de educação física e precisava atingir uma extensa gama de pessoas, além de também poder ser praticado dentro de um ginásio durante o ano todo.
Pelo estilo de jogo sem contato físico e sem corridas, Morgan realmente conseguiu criar um esporte que respeitasse as limitações que ele precisava, mas que também era um exercício completo. Decidido o formato, ele precisava definir a bola que seria usada. Naquela época, o mais próximo que ele podia usar era a câmara de ar de uma bola de basquete, mas Morgan entendia que não era o ideal.
Tendo em vista a dificuldade de encontrar uma bola ideal para o jogo, Morgan entrou em contato com a A. G. Spalding & Bros. para desenvolver uma que teria o peso ideal, ou seja, não tão pesada que seria impossível jogar mas não muito leve para que se tenha controle da bola no ar. O vôlei começa a se diferenciar desde cedo de outros esportes populares como o futebol, pois desde sua criação, buscou parceiros para oferecer a melhor estrutura possível para seus atletas.
DNA Colaborativo
“Mintonette” realmente nasceu de uma forma diferente. O seu criador fazia parte da Associação Cristã de Moços (o Young Mens Christians Association em inglês, ou simplesmente, YMCA) e depois de desenvolver uma bola e um livro de regras, Morgan junto com seus amigos Dr. Frank Wood e John Lynch (também da YMCA), pediram a opinião de outros profissionais.
O nome “volley ball” foi sugerido pelo professor Alfred T. Halstead, que percebeu que os atletas faziam um movimento de voleio no ar enquanto jogavam. Até mesmo o nome do esporte foi desenvolvido graças a uma colaboração e com os olhos voltados para a quadra.
Aqui no Brasil, o primeiro jogo foi disputado na cidade de Recife e era visto muito mais como uma atividade escolar. O esporte começa a ganhar força mesmo em 1923 quando houve o primeiro campeonato na cidade do Rio de Janeiro e o Fluminense forma um time profissional no mesmo ano.
Organização Mundial
O esporte cresceu de maneira orgânica, porém, não muito organizado até o dia 20 de Abril de 1947 quando é criada a FIVB (Fédération Internationale de Volleyball). Haviam 14 países membros nesta primeira etapa da construção da federação, eram eles: Brasil, Bélgica, Egito, Estados Unidos, França, Holanda, Hungria, Itália, Iugoslávia, Polônia, Portugal, Romênia, Tchecoslováquia e Uruguai. Hoje, a entidade conta com mais de 163 membros.
Um outro aspecto interessante do vôlei é que percebeu a oportunidade de fazer a modalidade crescer tanto no masculino quanto no feminino. Veja, desde o começo do esporte, as mulheres também o praticavam, muito por não ter contato físico. O primeiro torneio internacional masculino ocorreu em 1949 na Tchecoslováquia (com vitória da Rússia) e o feminino em 1952, poucos anos depois do masculino.
Sim, você pode falar que o masculino foi anos antes, mas vamos comparar com outras modalidades como o futebol, onde no Brasil as mulheres eram proibidas de praticar até meados dos anos 70 e a primeira Copa do Mundo feminina foi apenas em 1991!
Em 1964, o vôlei se tornou um esporte olímpico. Isso ajuda a popularidade no mundo todo, pois as Olimpíadas são um palco mundial enorme e oferecem um objetivo claro para atletas de alto nível. A partir deste momento o ciclo de trabalho do vôlei é contado a cada 4 anos.
O Vôlei no Brasil
Voltando um pouco para o Brasil, a Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) foi criada no dia 16 de Agosto de 1954. Ela é a responsável por fomentar o esporte em todo território nacional. A CBV começa a criar escolinhas e investir no esporte de base pensando no futuro.
Esse investimento começa a dar resultados relativamente cedo, pois nos anos 70 o Brasil é o campeão do 1º Mundial da Juventude. Um pouco mais tarde, em 1984 nas Olimpíadas de Los Angeles, o Brasil ganha a sua primeira medalha olímpica e dá início a famosa “geração de prata”.
O esporte no Brasil continuou crescendo e a “geração de prata” abriu caminho para a “geração de ouro” após a conquista do lugar mais alto do pódio em Barcelona 1992. Este time recheado de craques como Tande, Marcelo Negrão, Giovane, Maurício, Paulão e Carlão sacramentou de vez a posição do Brasil como uma potência no vôlei.
Depois disso o vôlei masculino desembestou a ganhar títulos da Liga Mundial e da Copa do Mundo (os outros campeonatos internacionais mais importantes) e ganhou mais um ouro olímpico em Sydney 2004 com o Bernardinho e grandes jogadores como Giba, Gustavo, Serginho e Rodrigão. Em 2016 aqui no Rio de Janeiro, os meninos foram campeões de novo.
Muito se engana se pensar que somente o masculino ganha tantas medalhas, a seleção feminina também ganhou títulos no atacado. Nas Olimpíadas de Atlanta 1996 e em Sydney 2000 elas conquistaram a medalha de bronze mas não faltaria muito para elas chegarem ao lugar mais alto do pódio com o bicampeonato em Pequim 2008 e Londres 2012. Um aspecto que é bem interessante mencionar e que mostra como o esporte feminino e masculino estão no mesmo patamar é o fato que o técnico José Roberto Guimarães foi campeão tanto em Barcelona 1992 com a equipe masculina e depois foi bicampeão em 2008 e 2012 com a seleção feminina.
Constantes Mudanças
Outro ponto importante para a história do vôlei é a sua evolução como esporte em si. Há uma constante revisão das regras para fazer com que o jogo se torne mais dinâmico e mais interessante para o espectador. Algumas das principais mudanças são a inclusão do quinto set como um tie break, a eliminação da regra da vantagem para marcar ponto, a criação da posição de líbero, a constante adaptação da regra de toque na rede e o uso de tecnologias de linha e de câmeras para análise do jogo.
Tendo em vista que um dos principais pilares da FIVB é melhorar a experiência dos fãs, ela mudou completamente a sua estratégia global e acabou com a Liga Mundial (masculina) e o Grand Prix (feminino). A federação observou que estes campeonatos já tinham atingido seu limite e que estava se tornando uma operação complexa demais. Nestes campeonatos, quase toda a responsabilidade de gerir o evento caía sobre as federações nacionais, incluindo vender os direitos para a televisão e, como resultado desta operação descentralizada, as competições tinham uma “cara” diferente em cada país que recebia um jogo.
Além destes problemas operacionais, cada competição tinha um sistema de disputa diferente e podia ser confuso se um país sediava tanto a Liga Mundial quanto o Grand Prix (como era o caso do Brasil e do Estados Unidos) e no final das contas, também confundia o público em casa. Outro ponto importante é o fato que este sistema da Liga Mundial e Grand Prix deixava as federações locais com muito do ônus da produção, mas com pouco bônus financeiro que vinha de TV e patrocinadores.
Tendo em mente as dificuldades que os seus campeonatos apresentavam, a FIVB desenvolveu a Volleyball Nations League (VNL).
Volleyball Nations League
A VNL veio para revolucionar o relacionamento que os fãs e as federações tinham com o esporte. Tudo sobre esse campeonato foi feito pensando no esporte em si e na interação com o fã.
Uma das principais mudanças é o fato que agora as federações locais são consideradas shareholders, ou seja, elas têm uma participação em tudo o que envolve a VNL. Isso significa que as federações têm uma voz nas tomadas de decisões e que o valor arrecadado com tudo também é dividido.
Outro ponto importante é o fato que tudo foi feito pensando na experiência do fã (como mencionei antes), o considerando agora mais como um cliente do que um espectador. As ações e as experiências foram todas pensadas e desenvolvidas para que aqueles assistindo tanto em casa quanto na quadra fossem a melhor possível e o mais interativo possível.
Tendo em vista essa intenção, foi criada a “Mode of Volleyball” o que basicamente significa que todos os elementos de marketing teriam inspiração na quadra. Todos os elementos gráficos de televisão, de escrita e até mesmo a linguagem teriam que vir das quadras.
Um desses elementos é o fato que as cores usadas refletiam as cores das quadras, aquele tom meio alaranjado/rosado da quadra, o azul do lado de fora e o branco das linhas. A tipografia desenvolvida especialmente para a competição foi inspirado no movimento que a bola faz durante o rally, podemos até notar que as letras não possuem curvas, indicando o movimento rápido da bola.
Essa padronização da linguagem e elementos visuais ajuda muito na construção de uma imagem e de uma marca ajuda muito a valorizar o próprio esporte e faz com que mais pessoas percebam o seu valor.
Um dos principais pontos dessa revolução é o fato que agora as competições masculinas e femininas possuem a exata mesma estrutura para tudo, inclusive em termos monetários. Antes, por causa das regras diferentes de cada competição, o torneio feminino podia ter mais jogos que o masculino, porém, o valor da premiação era menos da metade.
A igualdade entre o masculino e o feminino também faz parte de um plano maior da FIVB que tem como objetivo impulsionar o atleta. Ela entende (e muito bem por sinal) que o atleta é o que mais agrega valor à competição e que quanto mais eles valorizam, melhor é para todos.
Os atletas também foram incorporados a divulgação e comunicação digital do torneio. A VNL possui duas campanhas digitais, a “Be part of the Game” e a “Tricks”, onde atletas de seleções participantes do torneio participam de vídeos com o intuito de mostrar o jogo e o esporte de um lado mais técnico (Be Part Of The Game) ou um lado mais lúdico, onde os atletas mostram as suas habilidades com brincadeiras (Tricks).
Por fim, um aspecto importante para a VNL é que o local da fase final é determinado por concorrência. A cidade ou região que se mostrar interessada deve mostrar que possui uma estrutura adequada para os padrões exigidos. Essa estratégia permite que ações de marketing sejam planejadas antecipadamente, que as televisões permitam espaços na sua grade de transmissão, que seja possível solucionar qualquer problema que possa ocorrer e, por fim, permite um planejamento melhor de todos envolvidos na organização.
A edição 2021
Infelizmente, essa edição da VNL será um pouco diferente por causa da pandemia de COVID-19.
A edição 2021 será a quarta edição do torneio internacional (será a quarta pois a edição de 2020 foi cancelada) e será inteiramente disputada na cidade italiana de Rimini, na costa Adriática. O Centro de Exposições da cidade foi inteiramente adaptado para ter quadras de treino e de jogo (duas na verdade) e toda a estrutura física necessária para realizar bem o torneio.
Como o torneio ocorre na mesma cidade (ao invés do tradicional tour pelo mundo) houve a implementação de uma bolha. Essa bolha terá uma série de regras bem definidas tanto dentro do local de jogo quanto nos hotéis. Entre as principais regras estão o fato que os hotéis são exclusivos para aqueles que trabalham no evento, entre staff, árbitros, atletas e comissão técnica (ao todo são quase 1000 pessoas).
Um ponto que é um pouco diferente para esse campeonato é o fato de não ter juíz de linha, mas esperam que o fato de ter o desafio de vídeo em todos os jogos podem ser o suficiente para suprir essa ausência. Outro ponto importante para essa temporada é o fato que esse ano não terá o rebaixamento, ou seja, todos que competem nessa temporada vão participar em 2022.
De uma forma geral, porém, o formato do torneio não muda muito. São 16 times masculinos e femininos e que jogam todos contra todos durante 5 semanas. Os jogos femininos ocorrem de terça a quinta e os masculinos são de sexta a domingo. As 4 equipes mais bem colocadas depois dessa fase vão para as semifinais e os vencedores dessa rodada jogam a grande final. Serão 8 jogos por dia para um total de 248 durante todo o torneio.
O que podemos aprender com esse processo do vôlei?
Um dos principais pontos é não ter medo de mudanças. Se uma regra ou um aspecto do jogo não faz mais sentido tanto para o esporte de uma maneira geral, quanto para os atletas e para o fã, mude, adapte. Quando a FIVB começou a perceber que a regra da vantagem estava atrasando demais o andamento da partida, ela eliminou a regra.
Para tornar o jogo mais dinâmico e legal para o espectador, criaram a posição de líbero e permitiram uma posição especializada na defesa e, por tanto, mais dinâmico. Houve também muitos testes em relação à regra do toque na rede, com momentos onde não era permitido toque algum e outros onde era possível tocar na parte de baixo se não houvesse interferência no jogo.
Por fim, acredito que a lição mais valiosa é a de constante adaptação à experiência daqueles envolvidos. A VNL chegou para dar uma solução a vários problemas que atrapalhavam a competição e o esporte em si. Nós não devemos ficar com a ideia de que as coisas são feitas de uma única maneira e devemos simplesmente aceitar. Também devemos entender que porque algo faz sucesso e é bom, não quer dizer que é perfeito, podemos sempre ajustar.
[…] já comentei aqui no blog (https://maverickesportes.com.br/a-coragem-do-volei-para-evoluir/) mas acho muito legal o fato que o torneio é igual tanto para o feminino quanto para o masculino. […]